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Abaixo alguns trechos de entrevistas com músicos se preparando para performances retirados de pesquisas que desenvolvo sobre experiências de fluxo na prática musical:


"Por mais que eu estude, pareço não estar pronto para a situação competitiva que se aproxima, na qual terei que executar um programa que me é desafiador.. gostaria de poder executá-lo como no meu quarto de estudos, com confiança e, de preferência, sem erros"


"Me sinto cansado demais para estudar.. quero praticar mais tempo, mas não me sinto muito bem.. e outra coisa.. entre tantos afazeres às vezes só tenho 15 minutos, então, penso que não vale à pena sentar com o violão, aquecer, e iniciar no repertório"


A boa notícia é que sim, existe uma solução. Você ainda pode praticar e melhorar mesmo estando longe do seu instrumento, e esse processo é chamado de visualização, que se encontra dentro do campo científico da imagética. O conceito é simples: a imagética motora envolve se imaginar tocando como se estivesse realmente com seu instrumento (artigo para se aprofundar). Em um estudo, participantes que praticaram mentalmente uma sequência de cinco notas em um piano imaginário por duas horas por dia tiveram alterações neurológicas similares (e redução de erros) aos participantes que praticaram fisicamente a mesma passagem em um piano real. Alguns sugeriram que esse tipo de visualização ativa as mesmas regiões cerebrais da prática física e tem o mesmo efeito que a prática física real. Em outras palavras, existem evidências crescentes de que a visualização, se feita corretamente, pode definitivamente fazer a diferença.


ALGUNS BENEFÍCIOS DA VISUALIZAÇÃO

A visualização tem um grande potencial para aumentar sua coordenação motora no instrumento e também a velocidade. A visualização também pode acelerar bastante a velocidade com que você memoriza uma peça. O fator importante aqui é capacidade de resgate junto com a prática mental. Se você visualizar a reprodução de uma peça inteira várias vezes, poderá se lembrar mais facilmente dela durante a performance. No início, você provavelmente precisará olhar a música de vez em quando. Mas, eventualmente, você deve conseguir passar pela peça várias vezes sem olhar para a pontuação. Daí a recomendação de vários professores de estudar a peça enquanto se faz uma corrida :)


A visualização também pode ser muito útil para amenizar/eliminar tensões (físicas e emocionais!). Durante a visualização, você pode vivenciar tensões relacionadas à tarefa. Essas mesmas tensões ou reações emocionais também podem ocorrer quando você realmente pega o instrumento e começa a praticar. No entanto, se você puder empregar técnicas de relaxamento enquanto pratica mentalmente, esses obstáculos serão muito mais fáceis de serem eliminados quando tocar fisicamente seu instrumento (ou cantar).


COMO VISUALIZAR

Agora que você conhece alguns dos benefícios da visualização, aqui está um passo a passo de como alcançar uma excelente prática mental!


1. Escolha a hora e o local certos para visualizar.

Visualizar é um pouco como meditar, porque requer um bom grau de concentração silenciosa. Tente encontrar um tempo durante o dia em que você possa "desligar" por dez minutos, sem medo de ser perturbado.


2. Acalme-se.

Feche os olhos e concentre-se apenas na respiração por um minuto. Inspire devagar e completamente pelo nariz e depois expire lentamente pela boca. Em seguida, faça uma varredura total do corpo em busca de tensão, relaxando lentamente todas as partes do corpo. Deixe qualquer tensão que encontrar desaparecer.


3. Expanda seu foco.

Agora, concentre-se em um objeto. Pode ser qualquer coisa - seu instrumento ou o metrônomo ou a estante em seu quarto de estudos. Tente imaginar isso. Nesse ponto normalmente ocorrem distrações. É normal, o objetivo aqui é imaginar algo pequeno e torná-lo mais vívido, palpável. Depois disso, você pode começar a expandir essa vivacidade para o resto do seu ambiente imaginado. Você vai melhorar com a prática.


4. Use todos os seus sentidos.

As imagens mentais costumam ser rotuladas como visualização, mas não se limitam apenas ao visual. Quando imaginar, imagine o que está vendo, ouvindo, cheirando, e também as sensações corporais. Isso é muito bem aplicável em preparação de performances.


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APLICANDO DISTINTOS TIPOS DE IMAGÉTICA MENTAL NA APRENDIZAGEM MUSICAL


Nas minhas aulas busco aplicar exercícios diversos de visualização, dependendo do contexto. Isso é muito importante. Se você gostaria de experimentar algum tipo de exercício de visualização em sua preparação de performance musical, pode se cadastrar nesse site ou me enviar um e-mail.


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A EXPERIÊNCIA PESSOAL MAIS MARCANTE COM VISUALIZAÇÃO


Em 2017 tive que fazer um grande trabalho de preparação para o concurso para professor efetivo de violão na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Sem dúvida, a experiência mais desgastante envolvendo performance musical que já tive na vida! Uma semana inteira de provas (escrita, didática, prática, currículo, pesquisa, etc.). E um grande desafio foi que tive que preparar uma peça emblemática do repertório totalmente 'do zero': as 3 piezas españolas de Joaquín Rodrigo. Pouco tempo para preparo, pois na época era professor de 5 disciplinas em outra instituição de ensino superior.

Chegou um ponto do meu estudo que percebi que estagnei, não conseguia mais avançar. Em uma bela manhã de domingo, simplesmente senti, fui impelido a dedicar meu tempo inteiramente à prática mental. Coisas da intuição. Algo em mim dizia: A prática do violão não vai resultar em nada de novo neste momento. A prática mental será decisiva nesse ponto da sua preparação.

Na semana do concurso, sentava na minha cadeira e estudava a partitura, observando harmonias, elementos estruturais, relações intervalares, formas melódicas, fórmulas sequenciais, ritmos... Então fechava meus olhos e pensava em cada um desses elementos, imaginando-os, ao meu ritmo. Eu me visualizava tocando cada passagem, movendo meus dedos através dos dedilhados, estando mentalmente consciente de cada movimento, sensação, e resultante sonora. Alguns momentos dedicava às sensações físicas, em outros, imaginava a resultante sonora...ficava alternando entre um e outro. Também ensaiava mentalmente todas as mudanças de timbre, o movimento físico necessário para cada um e como seria meu movimento corporal para tocar a peça.

Uma coisa importante a se colocar é que, no concurso, quando iniciei a tocar a primeira das peças espanholas, já havia tocado: suite BWV 995 de Bach (prelúdio, sarabanda e giga) e Rondó Brilhante de Aguado. Depois vinham as peças espanholas, e, depois Nocturnal de Britten, arranjo de All of Me de Roland Dyens, e Blackbird, dos Beatles. O programa era grande! O resultado final foi que, mesmo tocando esta peça de memória pela primeira vez na frente de uma banca de especialistas na área (3 doutores em violão!), posso dizer que essa performance foi a melhor do que qualquer outra que eu tinha feito anteriormente. Sem dúvida. Depois até toquei essa obra em recital, mas definitivamente não teve o mesmo resultado do que a desse concurso. Minha pontuação final na prova de performance foi a mais alta, e contribuiu para eu obter o o primeiro lugar.


Aqui você pode acessar outras coisas que também considero importantes na preparação para concursos envolvendo performance musical https://youtu.be/D_bhqjBUN80


Para acessar outros artigos meus, pode visitar minha página do Research Gate


Um abraço e boa quarentena a tod@s!


Marcos Vinícius Araújo, PhD Performance Studies.

marcosaraujomusic.com


 
 
 

Estudar violão em isolamento significa preservar vidas.


Seria estranho ouvir isso se não estivéssemos passando por uma crise sem precedentes na história recente, decorrente da pandemia do Novo Covid-19. Se pensarmos que estudar um instrumento musical exige horas de atividade em isolamento, então a quarentena e o período de afastamento social não é exatamente um problema para quem estuda violão. Porém, a práxis musical, vista de forma mais holística, abarca outros aspectos fundamentais que vão além da visão mecanicista do estudo: características da personalidade que predispõem um indivíduo a seguir com a música e sua carreira, aspectos internos que motivam as pessoas a estudarem por longos períodos de tempo e com tanto esmero, capacidades de planejamento e organização, e também uma necessidade pessoal que alguns indivíduos parecem possuir que os leva a se envolver em uma vida musical como parte inerente de seu auto-conceito.


Ainda em um contexto pós segunda guerra mundial, o psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi buscava compreender como alguns indivíduos ainda conseguiam viver uma vida plena, mesmo em meio à crise do pós-guerra. Esses indivíduos eram, em sua maioria, músicos, pintores, escritores e cientistas. Ao investigá-los, conseguiu definir um estado a que chamou de Flow, uma experiência de concentração intensa, porém não esforçada, em que o indivíduo se sente tão concentrado que não vê o tempo passar. No final da atividade, fica com a sensação de que a experiência valeu a pena não pelo resultado que conseguiu, mas pelo próprio processo. Ou seja, a finalidade da tarefa está nela mesma.





Uma implicação disso no processo de estudo é que todos deveríamos tentar encontrar o nosso ‘flow’ durante o estudo do violão, pois os benefícios são diversos. Minha própria pesquisa (acesse aqui https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0255761418814563) sinalizou as características de uma sessão de estudo em flow: um estado gratificante de concentração durante a busca de objetivos claros, próximos e desafiadores. Esses objetivos precisam estar um pouco acima das nossas habilidades percebidas, de maneira que o objetivo não resulte em auto-percepções negativas em relação a nossa própria competência. Essas são características do que chamo de objetivo ideal de prática. Ou seja, a resolução de uma passagem, a leitura de uma nova obra, a melhora do legato, o treino da performance, e diversos outros objetivos no estudo se tornam objetivos ideais quando apresentam as características acima mencionadas. Sinais claros da experiência de flow durante a prática são os sentimentos de intensa concentração e uma sensação de certeza em relação ao que se está fazendo. E após a sessão de estudo ideal, pode haver uma sensação de que não vimos o tempo passar e um sentimento de que a sessão foi gratificante.



A preocupação com a saúde, com os idosos, com os empregos, a vida social, a economia... o fato de não sabermos quando tudo irá voltar ao normal...enfim, tudo isso pode gerar ansiedade! Por outro lado, é importante salientar que algumas pesquisas indicam que pessoas que entram em flow regularmente apresentam níveis mais baixos de depressão e ansiedade. Logo, entrar em flow durante o estudo do violão também pode estar contribuindo para diminuir a incidência de ansiedade.


Uma das recomendações gerais de diversos órgãos de saúde também passa pela manutenção de uma rotina diária. Mas é importante lembrar que o período de estudo do instrumento é apenas um elemento da rotina. Ter muito tempo para estudar também tem o seu contra. Estudar horas a fio, movimentos repetitivos, insistência, tudo isso pode desencadear problemas físicos (tendinites, dores na lombar, tensão excessiva dos ombros e coluna, pescoço, etc.). Os alongamentos antes e depois das sessões de estudo tornam-se ainda mais relevantes em tempos de confinamento.



Outro ponto importante que contribui para se criar uma rotina é planejar a regularidade de atividades simples do dia-a-dia que normalmente são consideradas comuns. Ter hora marcada para: acordar, realizar as refeições, se informar (e cuidar para não consumir fakenews), conviver com as pessoas dentro de casa e, se sozinh@, ligar para amigos e parentes, fazer algum exercício físico (diversas aulas disponíveis online), estudar violão, ler um livro, assistir a uma série, ouvir algum podcast, meditar, e dormir. A leitura de livros, audição de podcasts e cursos online disponíveis também se apresentam como oportunidades de crescimento durante a crise.


Especificamente sobre o estudo do violão, isso também se relaciona com a capacidade de planejamento e gerência das metas de curto, médio e longo prazo.

Se no isolamento então irei precisar de períodos mais curtos de estudo, por ter que dividir o tempo com os diversos outros elementos da rotina, então é preciso traçar as metas em acordo com o tempo. De nada adianta eu pensar ‘ok, irei estudar a peça x’, sem ao menos delinear as metas, de preferência antes de pegar o instrumento. Seria mais proveitoso pensar, por exemplo: ‘irei nessa sessão, ler a peça x e identificar e marcar os trechos problemáticos. Na segunda parte da sessão, irei trabalhar a passagem y da peça z’. Essa divisão em pequenas metas poderá trazer mais ordem na consciência, senso de agência e reforço da confiança ao final do estudo, pois ficará mais claro como e o quanto o estudo estará rendendo. Outras metas também podem incluir a manutenção de repertório antigo, leitura e audição de novas peças para inclusão em novo programa, gravação de vídeos para alimentar mídia social, entre outros.


O processo de estudo do violão também possui outras dimensões a serem consideradas: por que estou estudando agora (motivo)? Quanto tempo devo trabalhar em cada objetivo/meta (tempo)? Quais estratégias e materiais devo utilizar (métodos), e como devo organizar o ambiente para estudar (ambiente físico), de forma a manter o foco (comportamento)? A quem posso recorrer e para quem posso tocar (fatores sociais)?


Refletir sobre o motivo pelo qual estamos estudando pode contribuir para o rendimento do estudo, o tempo para se conseguir atingir os objetivos, e para a motivação para prosseguir com o estudo. Se penso que preciso aprender determinada peça para ser melhor que outros, então estou desviando o foco do processo para aspectos não relevantes. Por outro lado, se penso que estou estudando para crescer como instrumentista para que consiga levar boa música para as pessoas, então poderemos nos sentir melhor, mesmo perante as dificuldades. Se atribuímos o sucesso ou o fracasso de uma performance à fatores externos, mais uma vez estamos perdendo a oportunidade de reconhecer quais são meus pontos fortes e meus pontos fracos, estes últimos a serem considerados para as sessões de estudo.


Os fatores sociais são particularmente um desafio em tempos de confinamento. Se estudamos para levar música para as pessoas, então precisamos desenvolver o hábito de tocar para os outros, tanto pessoal da área (colegas, professores, etc.) como leigos (amigos, parentes, etc.). O uso da internet pode auxiliar na promoção dessa dimensão social na prática musical em isolamento. Existem diversos apps sendo utilizados, tanto para aulas (zoom, google hangouts, skype, entre outros) quanto para ensaios e apresentações (jam kazam, instagram lives, facebook live, youtube live, entre outros). Ainda, a possibilidade da gravação do ensaio ou concerto torna-se também um aliado do estudo, pois também poderemos utilizar o material para a auto-avaliação.


A pandemia que estamos vivendo nos obriga a uma reflexão sobre quem somos e sobre nossa existência em relação ao outro. O esforço do isolamento social se traduz em pura fraternidade. E nesses tempos de crise, ao estudarmos nosso instrumento, em isolamento, tal como o sempre fazemos, estamos também contribuindo para conter a disseminação desse vírus e, em consequência, para preservar vidas.



 
 
 
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