- Marcos Vinícius Araújo
- 11 de mai. de 2020
- 5 min de leitura
Abaixo alguns trechos de entrevistas com músicos se preparando para performances retirados de pesquisas que desenvolvo sobre experiências de fluxo na prática musical:
"Por mais que eu estude, pareço não estar pronto para a situação competitiva que se aproxima, na qual terei que executar um programa que me é desafiador.. gostaria de poder executá-lo como no meu quarto de estudos, com confiança e, de preferência, sem erros"
"Me sinto cansado demais para estudar.. quero praticar mais tempo, mas não me sinto muito bem.. e outra coisa.. entre tantos afazeres às vezes só tenho 15 minutos, então, penso que não vale à pena sentar com o violão, aquecer, e iniciar no repertório"
A boa notícia é que sim, existe uma solução. Você ainda pode praticar e melhorar mesmo estando longe do seu instrumento, e esse processo é chamado de visualização, que se encontra dentro do campo científico da imagética. O conceito é simples: a imagética motora envolve se imaginar tocando como se estivesse realmente com seu instrumento (artigo para se aprofundar). Em um estudo, participantes que praticaram mentalmente uma sequência de cinco notas em um piano imaginário por duas horas por dia tiveram alterações neurológicas similares (e redução de erros) aos participantes que praticaram fisicamente a mesma passagem em um piano real. Alguns sugeriram que esse tipo de visualização ativa as mesmas regiões cerebrais da prática física e tem o mesmo efeito que a prática física real. Em outras palavras, existem evidências crescentes de que a visualização, se feita corretamente, pode definitivamente fazer a diferença.
ALGUNS BENEFÍCIOS DA VISUALIZAÇÃO
A visualização tem um grande potencial para aumentar sua coordenação motora no instrumento e também a velocidade. A visualização também pode acelerar bastante a velocidade com que você memoriza uma peça. O fator importante aqui é capacidade de resgate junto com a prática mental. Se você visualizar a reprodução de uma peça inteira várias vezes, poderá se lembrar mais facilmente dela durante a performance. No início, você provavelmente precisará olhar a música de vez em quando. Mas, eventualmente, você deve conseguir passar pela peça várias vezes sem olhar para a pontuação. Daí a recomendação de vários professores de estudar a peça enquanto se faz uma corrida :)
A visualização também pode ser muito útil para amenizar/eliminar tensões (físicas e emocionais!). Durante a visualização, você pode vivenciar tensões relacionadas à tarefa. Essas mesmas tensões ou reações emocionais também podem ocorrer quando você realmente pega o instrumento e começa a praticar. No entanto, se você puder empregar técnicas de relaxamento enquanto pratica mentalmente, esses obstáculos serão muito mais fáceis de serem eliminados quando tocar fisicamente seu instrumento (ou cantar).
COMO VISUALIZAR
Agora que você conhece alguns dos benefícios da visualização, aqui está um passo a passo de como alcançar uma excelente prática mental!
1. Escolha a hora e o local certos para visualizar.
Visualizar é um pouco como meditar, porque requer um bom grau de concentração silenciosa. Tente encontrar um tempo durante o dia em que você possa "desligar" por dez minutos, sem medo de ser perturbado.
2. Acalme-se.
Feche os olhos e concentre-se apenas na respiração por um minuto. Inspire devagar e completamente pelo nariz e depois expire lentamente pela boca. Em seguida, faça uma varredura total do corpo em busca de tensão, relaxando lentamente todas as partes do corpo. Deixe qualquer tensão que encontrar desaparecer.
3. Expanda seu foco.
Agora, concentre-se em um objeto. Pode ser qualquer coisa - seu instrumento ou o metrônomo ou a estante em seu quarto de estudos. Tente imaginar isso. Nesse ponto normalmente ocorrem distrações. É normal, o objetivo aqui é imaginar algo pequeno e torná-lo mais vívido, palpável. Depois disso, você pode começar a expandir essa vivacidade para o resto do seu ambiente imaginado. Você vai melhorar com a prática.
4. Use todos os seus sentidos.
As imagens mentais costumam ser rotuladas como visualização, mas não se limitam apenas ao visual. Quando imaginar, imagine o que está vendo, ouvindo, cheirando, e também as sensações corporais. Isso é muito bem aplicável em preparação de performances.
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APLICANDO DISTINTOS TIPOS DE IMAGÉTICA MENTAL NA APRENDIZAGEM MUSICAL
Nas minhas aulas busco aplicar exercícios diversos de visualização, dependendo do contexto. Isso é muito importante. Se você gostaria de experimentar algum tipo de exercício de visualização em sua preparação de performance musical, pode se cadastrar nesse site ou me enviar um e-mail.
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A EXPERIÊNCIA PESSOAL MAIS MARCANTE COM VISUALIZAÇÃO
Em 2017 tive que fazer um grande trabalho de preparação para o concurso para professor efetivo de violão na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Sem dúvida, a experiência mais desgastante envolvendo performance musical que já tive na vida! Uma semana inteira de provas (escrita, didática, prática, currículo, pesquisa, etc.). E um grande desafio foi que tive que preparar uma peça emblemática do repertório totalmente 'do zero': as 3 piezas españolas de Joaquín Rodrigo. Pouco tempo para preparo, pois na época era professor de 5 disciplinas em outra instituição de ensino superior.
Chegou um ponto do meu estudo que percebi que estagnei, não conseguia mais avançar. Em uma bela manhã de domingo, simplesmente senti, fui impelido a dedicar meu tempo inteiramente à prática mental. Coisas da intuição. Algo em mim dizia: A prática do violão não vai resultar em nada de novo neste momento. A prática mental será decisiva nesse ponto da sua preparação.
Na semana do concurso, sentava na minha cadeira e estudava a partitura, observando harmonias, elementos estruturais, relações intervalares, formas melódicas, fórmulas sequenciais, ritmos... Então fechava meus olhos e pensava em cada um desses elementos, imaginando-os, ao meu ritmo. Eu me visualizava tocando cada passagem, movendo meus dedos através dos dedilhados, estando mentalmente consciente de cada movimento, sensação, e resultante sonora. Alguns momentos dedicava às sensações físicas, em outros, imaginava a resultante sonora...ficava alternando entre um e outro. Também ensaiava mentalmente todas as mudanças de timbre, o movimento físico necessário para cada um e como seria meu movimento corporal para tocar a peça.
Uma coisa importante a se colocar é que, no concurso, quando iniciei a tocar a primeira das peças espanholas, já havia tocado: suite BWV 995 de Bach (prelúdio, sarabanda e giga) e Rondó Brilhante de Aguado. Depois vinham as peças espanholas, e, depois Nocturnal de Britten, arranjo de All of Me de Roland Dyens, e Blackbird, dos Beatles. O programa era grande! O resultado final foi que, mesmo tocando esta peça de memória pela primeira vez na frente de uma banca de especialistas na área (3 doutores em violão!), posso dizer que essa performance foi a melhor do que qualquer outra que eu tinha feito anteriormente. Sem dúvida. Depois até toquei essa obra em recital, mas definitivamente não teve o mesmo resultado do que a desse concurso. Minha pontuação final na prova de performance foi a mais alta, e contribuiu para eu obter o o primeiro lugar.
Aqui você pode acessar outras coisas que também considero importantes na preparação para concursos envolvendo performance musical https://youtu.be/D_bhqjBUN80
Para acessar outros artigos meus, pode visitar minha página do Research Gate
Um abraço e boa quarentena a tod@s!
Marcos Vinícius Araújo, PhD Performance Studies.
marcosaraujomusic.com
